quinta-feira, 4 de abril de 2013

A RELAÇÃO DE TRABALHO DOMÉSTICO SEGUNDO A EMENDA CONSTITUCIONAL 72/2013


A RELAÇÃO DE TRABALHO DOMÉSTICO
SEGUNDO A EMENDA CONSTITUCIONAL 72

ALEXANDRE NERY DE OLIVEIRA
Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO)
Professor de Direito Processual do Trabalho
Pós-Graduado em Teoria da Constituição
(ensaio escrito em 04.abril.2013)

A Constituição brasileira recebeu, promulgada em 02 de abril de 2013 e com vigência a partir do dia seguinte, quando publicada, sua Emenda 72, que passa a regular as relações de emprego doméstico, alterando o conteúdo anterior do parágrafo único do artigo 7º da Carta de Outubro de 1988, assim agora com o seguinte teor:

Art. 7º. (...)
(...)
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisosI, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social."

Num contraponto inicial, cabe perceber que o dispositivo original do parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal enunciava aplicáveis aos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos respectivos incisos IV (garantia do salário mínimo), VI (irredutibilidade salarial), VIII (décimo terceiro salário), XV (repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos), XVII (férias anuais com adicional de 1/3), XVIII (licença à gestante), XIX (licença-paternidade), XXI (aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, no mínimo de 30 dias) e XXIV (aposentadoria), além da integração à Previdência Social.

Todos os direitos assegurados em 1988 restam mantidos, acrescidos agora de outros com vigência imediata ou dependentes de regulamentação específica, no que já se estabelece para estes últimos que as normas vigentes para os trabalhadores em geral não se lhes aplicam porque a Emenda Constitucional nº 72 exige a observância de normas próprias que definam a simplificação para o cumprimento das obrigações tributárias, principais e assessórias e às peculiaridades da relação do trabalho para a incidência doutros aspectos.

Por isso, são acrescidos aos direitos dos trabalhadores domésticos, com vigência imediata desde a publicação da Emenda Constitucional nº 72, os contidos na Constituição Federal, artigo 7º, incisos X (proteção ao salário, constituindo crime a retenção dolosa), XIII (jornada máxima diária de 8 horas e de 44 horas semanais, facultada compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho), XVI (adicional mínimo de 50% para as horas extraordinárias de trabalho), XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho), XXVI (reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho), XXX (proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivos discriminatórios – sexo, idade, cor ou estado civil) e XXXIII (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo, a partir de 14 anos, como aprendizes).

Doutro lado, mas dependentes de regulamentação específica, ficam estendidos os direitos contidos na Constituição Federal, artigo 7º, incisos II (seguro-desemprego em caso de desemprego involuntário), III (FGTS), IX (remuneração de trabalho noturno superior ao trabalho diurno), XII (salário-família aos dependentes, sendo o trabalhador de baixa renda), XXV (assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 anos de idade em creches e pré-escolas) e XXVIII (seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, para permitir o benefício previdenciário correspondente, sem prejuízo da indenização patronal quando o patrão incorrer em culpa ou dolo).

Percebo, desde logo, que a omissão contida no artigo 7º, parágrafo único, segundo o texto original de 1988 persiste, ainda agora com a Emenda Constitucional nº 72, em relação ao prazo prescricional, que não se invoca como aquele descrito para os trabalhadores em geral contido no inciso XXIX (prazo prescricional de cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho), assim denotando que, nas relações de trabalho doméstico, poderia o legislador fixar prazo diferenciado, embora corrente jurisprudencial indique que, em não se tratando a prescrição de direito trabalhista, mas de instituto que o restringe, incidiria o marco prescricional geral dos trabalhadores urbanos e rurais contido no referido inciso XIX do artigo 7º da Constituição, também aos domésticos, já que não deixam de ser, nas suas peculiaridades, também trabalhadores urbanos ou rurais. De todo modo, penso que nada afastaria a possibilidade de ter a EC 72 já corrigido a falha anterior e, quando menos, indicar que os direitos assegurados aos domésticos observavam o contido no inciso XIX do pertinente artigo 7º.

Ao estabelecer o comando dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, a Carta de Outubro de 1988 havia distinguindo os trabalhadores domésticos por considerar, com acerto, que os empregadores domésticos não se podiam situar no mesmo patamar que outros empregadores, sobretudo empresas, dadas as peculiaridades das relações de trabalho no âmbito doméstico.

Não tenho dúvidas de que os avanços alcançados então pelo ordenamento contido no parágrafo único do artigo 7º da Constituição poderiam ter sido desde 1988 maiores, como a extensão do fundo de garantia por tempo de serviço que permitiria resguardar aqueles trabalhadores com grande tempo de casa que eram, de um dia para outro, demitidos sem receber nada além do que as verbas rescisórias cabíveis, perdendo qualquer compensação pelo tempo de serviço aos mesmos empregadores e, por vezes, sem novas chances de recolocação no mercado de trabalho, a elucidar, também, a falta do seguro-desemprego para essa categoria. No contraponto da maior oneração ao empregador doméstico, havia fórmulas já então capazes de permitir o devido resguardo ao trabalhador doméstico, sobretudo nas situações decorrentes de rescisões contratuais. Doutro lado, à ocasião o ponto nevrálgico que se estabeleceu na Assembleia Constituinte dizia respeito, mais, às questões alusivas à jornada doméstica e ao controle de horário, tema que agora empresta maior debate em decorrência da Emenda Constitucional nº 72, sobretudo pela perplexidade de como controlar-se a jornada no ambiente doméstico. Parece-me, contudo, que, nesse particular, o constituinte derivado poderia ter ido em medida a garantir a jornada semanal, sem afastar o regramento das jornadas diárias ao ajuste entre patrões e empregados domésticos, dadas as peculiaridades que regem tais relações, sobretudo aquela que denota uma sobreposição necessária, por vezes, de modo a garantir que os empregadores possam, igualmente, trabalhar, enquanto os empregados domésticos acabam por gerir suas casas e a cuidar de seus filhos ou familiares mais necessitados. Ademais, parece-me que houve um desvio significativo da rota firme empreendida nos Governos Fernando Henrique e Lula, quando aprovadas as Leis 10.208/2001 e 11.324/2006, assim alterarando a Lei nº 5.859/1972, que dispõe sobre o emprego doméstico, inserindo medidas paulatinas para o implemento de certos direitos, ainda que timidamente, alguns sob a premissa de faculdade ao empregador doméstico, além de normas que desoneraram os empregadores domésticos e permitiram implemento significativo nos registros de contrato de trabalho doméstico, retirando da informalidade muitos empregados domésticos, assim garantindo-lhes não apenas direitos trabalhistas, porque estes não se apagam à falta do registro devido à luz do princípio do contrato realidade que rege o Direito do Trabalho, mas assegurando-lhes direitos previdenciários, sem prejuízo daquel'outros direitos trabalhistas que sequer eram previstos no parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal e que passaram a integrar o elenco direitos aplicáveis ou possíveis de aplicar às relações de trabalho doméstico.

Penso, portanto, que medida mais salutar seria prosseguir com a contínua regulamentação infraconstitucional para a desoneração contínua dos empregadores domésticos e a estimulação à formalização dos contratos de trabalho doméstico, atraindo ainda ao implemento de novos direitos, como emergeria do FGTS obrigatório e assim do direito decorrente ao seguro-desemprego, sem prejuízo de outros direitos que, paulatinamente, poderiam ser, com a devida reflexão e contínua observância do fluxo de formalização contratual, implementados.

Cabe perceber-se, sempre, que o caput do artigo 7º da Constituição Federal, ao qual o seu parágrafo único se vincula, não impede que outros direitos que permitam a melhoria da condição social dos trabalhadores sejam deferidos além dos que expressamente exige, inclusive porque no plano do Direito do Trabalho a Constituição, conquanto norma hierárquica suprema, é ponto de partida para os direitos do trabalhador e não limite.

Contudo, se a crítica poderia ter sido feita antes e assim agora se perfaz, seus efeitos já não têm significância maior à medida que a Emenda Constitucional nº 72 restou aprovada em tempo recorde nas duas Casas do Congresso Nacional, sem maiores debates nos intercursos exigidos pela própria Constituição para ensejar as reflexões pertinentes, já assim vigente desde 03 de abril de 2013, quando publicada.

Cabe, doravante, analisarmos os efeitos cotidianos das novas medidas nas relações domésticas de trabalho.

A oneração emergente da Emenda Constitucional nº 72, é certo, transparece mais, de imediato, no aspecto das horas extras devidas, e, logo mais adiante, no implemento ao custeio do fundo de garantia por tempo de serviço, decorrendo, no pertinente à jornada, sobretudo a perplexidade daqueles que dependem de uma jornada diária mais estendida do trabalhador doméstico para fazer frente a cuidados, sobretudo, com crianças, idosos, doentes e pessoas portadores de necessidades especiais. Com efeito, há que se perceber, parecendo não ter sido antes assim percebido, que a jurisprudência trabalhista há muito tem enquadrado aqueles envolvidos nas atividades de babás ou cuidadores, inclusive ou ainda quando detentores de conhecimentos de enfermagem básica, técnica ou superior, também como empregados domésticos, já que o conceito transpassa para todos que desempenham cotidianamente trabalho no ambiente doméstico em prol da família. Nessa perplexidade de como resolver as situações surgidas com a EC 72, espero ter as respostas adequadas para que os transtornos ou sofrimentos aparentes dessa oneração repentina não se transformem, ainda mais, como já se tem indicado na mídia, na perda de postos de trabalho por diversos empregados domésticos ao instante que seus empregadores preferem não arcar com os custos acrescidos, substituindo o trabalho contínuo por aquele eventual de trabalhadores autônomos contratados como diaristas para, sem os direitos inerentes aos empregados domésticos, fazer frente a suas necessidades, ao instante em que deslocam filhos para creches ou escolas de regime integral e seus idosos, doentes ou pessoas necessitadas para asilos ou instituições de apoio, fora assim do ambiente familiar em que poderiam ser melhor cuidados.

Não tenho, com a devida vênia de quem assim empresta valor a tal assertiva, o ideal de que a Emenda Constitucional nº 72 simboliza a segunda fase da abolição da escravatura, não compartilhando da imagem fácil que se tem dado na mídia de que os empregados domésticos são escravos de seus empregadores, porque então se deveria ter a premissa de que a Constituição de 1988, dita então como Carta da Cidadania, nada mais seria que, para muitos grupos, mera falácia.

Não significa dizer, doutro lado, que neste País não haja trabalhadores domésticos submetidos a condições impróprias de trabalho, mas isso se percebe, sobretudo, naqueles rincões em que o Estado não se apresenta ou nas situações em que a informalidade se sobrepõe, solapando direitos trabalhistas e previdenciários legítimos, não podendo ser considerados como senhores feudais aqueles que, por vezes na classe média, servem-se de empregados domésticos devidamente registrados, observando os direitos devidos e emprestando-lhes todo o respeito exigido.

Nesse contraponto, a Emenda Constitucional nº 72, ao acrescer direitos trabalhistas ao rol antes elencado no texto original do artigo 7º, parágrafo único, da Constituição, não fez muito diferente do que os efeitos que se perseguiam com as citadas Leis 10.208/2001 e 11.324/2006, embora, com o maior alarde, pareça provocar efeito contrário ao indicar um preocupante rompimento do paradigma de formalização dos contratos de trabalho e do afastamento dos patrões para a busca de trabalhadores eventuais, desprovidos de maiores direitos, enquanto senhores de si próprios na exigência contributiva à Previdência Social e no assegurar valores de reserva para que possam ter descansos semanais ou anuais, preocupações longe daqueles empregados domésticos regulamente registrados.

Ademais, fosse a estabelecer uma ruptura geral da condição de trabalhadores domésticos, cabe perguntar o por quê de não se ter emprestado toda a extensão do contido no artigo 7º da Constituição a tal categoria, no que o parágrafo único seria algo do passado. Com efeito, assim não foi porque ainda se percebeu, como em 1988, que as relações domésticas, seja no campo ou na cidade, guardam distinções em relação àquelas dos trabalhadores em geral, dado o ambiente familiar, de confiança e informalidade cotidiana que se reveste, ao contrário do ambiente das empresas em que a subordinação e os rituais se estabelecem na cadeia de comando, assim como o diferencial na existência de pessoal por vezes destinado a gerir as próprias folhas de pagamento, algo impensável no ambiente doméstico, em que o patrão deve ter os meios de controlar, por si, todos os pagamentos e recolhimentos a seu cargo, sem maiores burocracias, de modo a não ser desestimulado ao registro de seus empregados domésticos.

No tema particular da jornada, há que se perceber que os contratos de trabalho doméstico passam a encontrar apenas o limite da jornada diária ou semanal de trabalho, sem desqualificar os efeitos dos contratos então vigentes quanto ao ajuste do salário em relação à jornada média estabelecida entre patrões e empregados domésticos, porque doutro lado seria considerar-se, então, de modo totalmente inadequado, que os trabalhadores domésticos trabalhavam certas horas sem qualquer remuneração, quando o efeito decorrente da Emenda Constitucional é considerar, apenas, que aquelas horas antes pagas de modo simples, quando percebidas agora como extraordinárias, devem ter o acréscimo devido do adicional de 50% para sua remuneração regular.

Nesse particular, é razoável que o empregador doméstico, ao contratar (ou ao re-ratificar os contratos então vigentes quando da EC 72), defina o horário exigido do trabalhador e os períodos pré-assinalados destinados a intervalo para repouso e refeição com almoços, jantares ou lanches, segundo o descrito no artigo 71 da CLT, sem que isso corresponda exigir folha de ponto nas residências, a teor, contrário senso, do artigo 74, § 2º, da CLT, exceto na excepcionalidade de contar o empregador doméstico com mais de dez trabalhadores no ambiente residencial, assim definindo a jornada regular para os limites de 8 horas diárias ou 44 horas semanais, ou ainda de 6 horas diárias quando o trabalho se realizar sob regime de revezamento em turnos ininterruptos, além de já indicar-se o eventual ajuste a horas extras precontratadas.

Por óbvio, na consideração do valor da hora de trabalho doméstico para fins de apuração da hora extra não se há que afastar do contido no artigo 7º, IV, da Constituição quando garante, desde 1988, o salário mínimo aos empregados domésticos, assim, inclusive, nas vertentes pertinentes do valor mínimo a título de hora ou dia trabalhados, porque, em havendo desvio desse patamar, há que se perfazer a regular correção ou desqualificação do salário ajustado, desde antes.

Também se há que perceber que a Constituição fixa a duração do trabalho, assim não se compreendendo no cômputo de jornada o tempo destinado a descanso intrajornada ou interjornada, ainda quando o empregado doméstico resida na residência do próprio empregador, enquanto não chamado, nas horas de descanso, ao trabalho regular ou excepcional, não se podendo, sequer, considerar o período de descanso como horário à disposição do empregador, porque assim não se pode ter o período destinado a refeição, descanso e sono. A excepcionalidade de eventual chamado para atender situação emergencial e excepcional não desnatura a qualidade desse chamado como se inserido num cotidiano, eis que o sobreaviso ensejaria uma atenção contínua do obreiro na possibilidade de ser chamado, resultando diminuição dos efeitos do descanso regular, em que o trabalhador tem o tempo a seu dispor ou sem maior preocupação com o trabalho. Sendo assim, não se há, sequer, que exigir que o descanso seja realizado fora do ambiente doméstico, porque não se há que admitir o absurdo de expulsar o empregado do ambiente de trabalho enquanto no período destinado a descanso intrajornada, nem de confiná-lo a ambientes restritos de modo a sinalizar algo diferente, quando a exegese do intervalo diz com período em que o trabalhador não deve ter exigido trabalho e pode dispor do tempo de descanso e refeição, ainda que, por vezes, junto a outros empregados ou aos familiares da casa onde trabalhe. Não se há, com a devida vênia, que transformar a relação doméstica num inferno, em que o empregado doméstico tenha que ser isolado do convívio familiar para não corresponder à prestação de trabalho, quando o descanso pode perfazer-se, regularmente, nos limites do bom senso e dentro do próprio ambiente residencial.

Doutro lado, quando já antevisto problema no ambiente doméstico para a regulação da jornada diária, admite-se, como nos contratos de trabalho em geral, ajustar-se, mediante acordo individual escrito, a compensação da jornada do empregado doméstico, a teor da Súmula 85-I, do colendo Tribunal Superior do Trabalho, devendo, nesse particular efeito, o eventual ultrapassar da jornada diária de oito horas encontrar o limite constitucional de 44 horas semanais, sob pena de serem devidas as horas extras que sobrepõem-se eventualmente a tal limite, observando-se, ainda, eventuais efeitos da referida Súmula 85-IV/TST quando descreve que “a prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário”.

Igualmente, como antes indicado, não há impeditivo a precontratar horas extras, desde que observado o limite de duas horas extras diárias, a teor do artigo 59 da CLT, quando assevera que “a duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante acordo coletivo de trabalho”, considerado, ainda, por lógico, o dever de remunerar outras horas excedentes trabalhadas excepcionalmente, a teor da Súmula 376/TS, ainda quando superado o limite pré-ajustado, não se parecendo, por enquanto, aplicáveis as disposições legais decorrentes da Lei nº 9.601/1998, quanto ao banco de horas, já que o colendo Tribunal Superior do Trabalho compreende que o preceito legal exige seu estabelecimento por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, a afastar a possibilidade de ajuste individual entre as partes.

Cabe notar que, conquanto a Emenda Constitucional nº 72 tenha reconhecido a possibilidade de acordos e convenções coletivas de trabalho no âmbito das relações de trabalho doméstico, não parece razoável compreender os empregadores domésticos como empresas para os fins do artigo 611, § 1º, da CLT, enquanto assim não se dispor, além de perceber-se dificuldade de constituição de sindicatos patronais domésticos, ou ao menos agora sua exigência para emprestar campo a tal incidência, dada a inexistência de finalidade econômica como decorre dos empregadores em geral e à desorganização inerente a tal categoria, ainda quando se perceba a existência de associações de donos e donas de casa que ainda devem trilhar um longo caminho até estabelecerem as premissas inerentes à transformação em sindicatos patronais.

No exame dos novos direitos trabalhistas já vigentes desde a publicação da EC 72, cabe, ainda, quanto a efeitos diretos incidentes sobre os empregadores domésticos, a proibição, doravante, de contratação de menores de 16 anos para qualquer trabalho doméstico, exceto a partir dos 14 anos se considerados aprendizes, e, ainda, o trabalho noturno ou considerado perigo ou insalubre a menores de 18 anos. Nesses casos, em havendo empregado nessas condições, o efeito imediato exige a rescisão do contrato de trabalho doméstico anterior, porque doravante não se lhe empresta mais licitude, pelo que antes decorria do contido no artigo 5º, II, da Constituição Federal, de que se não era obrigado ou proibido de fazer algo mediante lei, assim se poderia deixar de fazer ou fazer, enquanto agora a proibição decorre de comando constitucional e inibe efeitos regulares ao contrato assim proibido de existir.

Igualmente, resta vedado doravante estabelecer o empregador doméstico distinção salarial, de exercício de funções ou de critério de admissão de empregado doméstico por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, sem nisso se distanciar do que o colendo Supremo Tribunal Federal assinalou quando da análise de preceito similar, assim distinguindo que não emerge discriminação quando a atividade exigida seja inerente ao critério estabelecido, em razão da natureza e das atribuições específicas do emprego, mas apenas quando se percebe num óbice sem vinculação a qualquer elemento da atribuição a desenvolver.

Com relação aos direitos dependentes de regulamentação infraconstitucional específica, cabe esclarecer que alguns estão na esfera do Estado e não do empregador doméstico, enquanto outros dependem de fonte de custeio a ser discriminada, no que haverá lógica oneração patronal.

Sem descrever exercício de futurologia, parece lógico que a lei de regência quanto ao FGTS e ao seguro-desemprego será a própria Lei nº 5.859/1972, com as alterações então empreendidas pela Lei nº 10.208/2001, excluída por óbvio a facultatividade do empregador doméstico incluir o empregado doméstico no regime fundiário e, assim, a permitir-lhe o eventual benefício do seguro-desemprego.

Doutro lado, emerge óbvio que, inclusive de modo a evitar demissões no âmbito doméstico de trabalho, deverá haver uma desoneração pela redução das alíquotas de contribuição previdenciária e de recolhimento fundiário, inclusive porque ainda se deve somar, num contexto a definir, os valores a título de salário-família e se devidos pelo INSS ou pelo diretamente pelo próprio empregador, ainda que como contrapartida contributiva, como assim também a alíquota pertinente ao seguro de acidente de trabalho doméstico (SAT) para fazer jus à contrapartida do eventual benefício previdenciário, ainda que possa ser também responsabilizado o empregador doméstico quando o acidente de trabalho tenha ocorrido em decorrência de dolo ou culpa patronal.

Quanto ao adicional noturno, a EC 72 não admite a atração das regras da CLT, ao menos por ora, se assim não for expressamente determinado em lei específica, que pode, doutro lado, estabelecer parâmetros diferenciados para sua apuração e ao percentual incidente sobre a hora diurna de trabalho, inclusive assim considerando as particularidades domésticas e, quiçá, e assim se espera, as necessidades de certos contratos de trabalho envolverem trabalho noturno para os cuidados com crianças, idosos, doentes e portadores de necessidades especiais, muitas vezes, sobretudo nesses últimos casos, a exigir grupos em revezamento pela necessidade de atenção permanente, sob pena de termos outro problema social estabelecido, assim a necessidade de o Estado aparelhar instituições capazes de cuidar dos idosos, dos doentes e de certos portadores de necessidades especiais que não podem prescindir de atenção contínua e direta.

Por fim, quanto à garantia de assistência em creches e pré-escola aos filhos dos empregados domésticos, emerge tal benefício como incumbência do Estado, mais ainda agora provocado a resolver o problema social estabelecido, igualmente, pela demanda exigida por muitos futuros ex-empregadores domésticos que, trabalhadores noutras esferas, também passarão a exigir do Estado a incidência que lhes pertine quanto ao artigo 7º, XXV, da Constituição Federal, porque doutro modo os trabalhadores em geral restarão prejudicados no desempenho do labor cotidiano que se lhes exigem os respectivos empregadores, preocupados com os cuidados que possam estar sendo ministrados a seus filhos, tanto mais quando desprovidos de apoio familiar para tanto.

Concluindo, penso que acerta quem diz que a Emenda Constitucional nº 72 quebra paradigmas, mas em graus diversos, porque estabelece, em verdade, uma inversão dos valores que se vinham paulatinamente instituindo com a maior formalização dos contratos de trabalho doméstico, ameaçando com o desemprego inúmeros trabalhadores domésticos que, sem maior formação, não terão outro emprego que não o retornar ao labor doméstico sob condições salariais mais desfavoráveis para a contrapartida patronal às onerações doravante exigidas ou para trabalharem como autônomos, assim reduzindo valores de sustento ao instante em que igualmente onerados com as exigências de contribuição própria para garantir benefícios previdenciários ou para as reservas financeiras necessárias a permitir-lhes folgas ou férias regulares. Nisso, talvez, pode emergir uma paradoxal redução do padrão de vida que muitos empregados domésticos haviam alcançado nos últimos anos, inclusive atraindo pessoas que, mesmo providas de cursos médios ou superiores, não conseguiam colocação no mercado de trabalho em geral.

O exíguo intervalo de tempo desde quando aprovada a proposta em primeiro turno na Câmara dos Deputados até sua aprovação em segundo turno no Senado Federal e consequente promulgação pelas Mesas das Casas do Congresso Nacional permite vislumbrar quanto fora pouco discutida em relação a efeitos imediatos e mediatos, mas, em se tratando de emenda constitucional, nada mais há que se ajustar as normas infraconstitucionais que permitam, quando menos, evitar maior oneração aos empregadores domésticos e assim, sem perda da qualidade de vida dos empregados domésticos, permitir manter, tanto quanto possível, número razoável de contratos em vigência.

Não emerge dúvidas, de todo modo, que várias questões serão logo submetidas ao exame da Justiça do Trabalho que, espero, fará prevalecer o bom senso na regular e razoável aplicação das normas constitucionais e infraconstitucionais pertinentes ao trabalho doméstico de modo a resguardar íntegras as relações sociais que assim se estabelecem no especial ambiente familiar, sem com isso, igualmente, distanciar-se das conquistas trazidas aos empregados domésticos.

Nesse equilíbrio social necessário, espero, os Juízes e Tribunais do Trabalho devem encontrar o ponto certo de interpretação constitucional e infraconstitucional condizente a garantir a eficácia da Emenda Constitucional nº 72, mais ainda pela existência de relações de trabalho domésticas a regular, porque não me parece que o constituinte derivado tenha, ao estabelecer a alteração constitucional descrita, pretendido instituir letra morta ao instante em que sucumbissem para o nada os contratos de trabalho existentes atualmente ou que pudessem ser firmados no futuro com a dignidade ao trabalho devidamente remunerado, como se vinha empreendendo, paulatinamente, no plano infraconstitucional.

Como magistrado trabalhista, espero que a prestação jurisdicional a ser enunciada nos casos decorrentes pela Justiça do Trabalho demonstre a razoabilidade que deve decorrer da confiança e do respeito que nos inspiram a Sociedade brasileira.

(Brasília/DF, 04 de abril de 2013)
(ALEXANDRE NERY DE OLIVEIRA).




terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO SEGUNDO A EC 45/2004


A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO SEGUNDO A EC 45/2004
Alexandre Nery de Oliveira
Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região
Professor de Processo do Trabalho do IESB
Pós-Graduado como Especialista em Teoria da Constituição

Após debates que chegaram a ameaçar a própria existência da Justiça do Trabalho, a Reforma do Judiciário que tramitou no Congresso Nacional evoluiu para consagrar, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, vigente a partir de 31 de dezembro de 2004, quando publicada, não apenas a permanência desse ramo especializado do Poder Judiciário como a ampliação de suas competências constitucionais, conforme nova redação dada ao 114 da Constituição Federal.

a) competência ampla envolvendo relação de trabalho, sob qualquer regime legal (art. 114, inciso I):

Há que se notar, desde logo, que a Justiça do Trabalho teve, em relação ao modelo original da Constituição de 1988, alterado o eixo competencial da relação de emprego e seus partícipes (apenas analisando as controvérsias decorrentes da relação de trabalho quando autorizada por lei) para a definição primordial da competência a partir da relação de trabalho, assim em sentido mais amplo, para alcançar todas as controvérsias envolvendo o trabalho humano que não se encontrem excepcionadas pela própria Constituição Federal.

Aliás, com a definição de um regime jurídico único para os servidores públicos, desde 1988 se discutia se as relações trabalhistas firmadas sob regime administrativo não seriam da competência da Justiça do Trabalho, o que acabou sendo expressamente consignado no Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, em 1990, em norma depois declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quando definiu que o anterior artigo 114 da Constituição apenas contemplava relações de emprego e não relações de trabalho, pelo que as discussões administrativas envolvendo os servidores públicos não seriam da competência da Justiça do Trabalho, discussão que a EC 45/2004 parecia suplantar com a redação mais extensa a alcançar todas as relações de trabalho. No entanto, ao apreciar a ADI 3395/DF, o STF, primeiro por decisão liminar do então Presidente, Ministro Nelson Jobim, e depois confirmada pelo Pleno, acabou o Excelso Pretório por dar uma paradoxal interpretação conforme à Constituição de Emenda Constitucional, sem revelar discussão acerca de tema vedado como cláusula pétrea ou redução de contexto por conta de norma constitucional inequivocamente contrária ao texto da nova redação dada ao artigo 114, mas com base em precedente anterior que apreciara inconstitucionalidade de ampliação competencial decorrente de preceito contido no Estatuto dos Servidores Públicos Federais, denotando atuação mais política do que jurídica da interpretação equivocada, já que se pretendeu adiantar ao contexto da PEC 358/2005 – a Emenda Paralela da Reforma do Judiciário, que envolvendo temas pendentes por não analisados em ambas as Casas do Congresso, acrescia exceção ao artigo 114, I, da Constituição para assim expressamente excluir da competência da Justiça do Trabalho as causas envolvendo servidores públicos.

Mesmo com tais reduções competenciais decorrentes do comando interpretativo contido na liminar concedida na ADI 3395/DF, outras questões emergem do contido no artigo 114, inciso I, da Constituição, conforme EC 45/2004, inclusive com efeitos noutros incisos do referido artigo constitucional.

A mais colocada tem sido a discussão quanto ao trabalho de autônomos, sobretudo quando contraposto em relação ao Direito do Consumidor.

O artigo 114, inciso I, da Constituição Federal, passa a dispor que são da competência da Justiça do Trabalho todas as causas oriundas da relação de trabalho, excetuadas, agora, por conta da ADI 3395/DF, enquanto vigente a liminar concedida, apenas as que tenham por partes o Poder Público e servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, que denotam relação institucional de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativa.

Noto, no particular da relação envolvendo profissionais autônomos, que a CLT, na linha da outorga de competências correlatas decorrentes da anterior redação do artigo 114 constitucional, já atribuía, como ora atribui, à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar as causas envolvendo as pequenas empreitadas, a par de reguladas em essência pelo Código Civil. Nisso, o diferencial da EC 45/2004 foi alargar o campo das atividades para envolver todas as modalidades de serviços autônomos, sempre que envolvido num lado o trabalhador, independentemente dos valores ou serviços contratados ou da qualificação dos profissionais, afastadas apenas as discussões em que sejam partes exclusivamente pessoas jurídicas ou em que o contratado prestador dos serviços não seja pessoa física. Percebe-se, pois, que todas as relações de trabalho descritas pelo vigente Código Civil, em que o serviço ou empreitada sejam realizados por pessoa física, são da competência da Justiça do Trabalho, a teor do artigo 114, inciso I, da Constituição Federal, que não tem perda competencial pela origem do vínculo, como antes já decidira o Supremo Tribunal Federal.

Como diferenciar, contudo, a relação de trabalho de competência da Justiça do Trabalho da relação de consumo de competência da Justiça Comum?

As relações de consumo encontram-se reguladas pela Lei nº 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a teor dos comandos do artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal, e do artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, revelando que o objeto é a proteção do consumidor perante o fornecedor de produtos ou de serviços. Por conta disso, toda a discussão perante a Justiça envolvendo relação de consumo, a teor do artigo 81 e seguintes do CDC é pertinente a ter o consumidor ou a vítima do objeto do consumo como parte ativa ou interessada no processo individual ou coletivo promovido contra o fornecedor do bem ou do serviço questionado. Sempre que tal for o objeto da controvérsia, a competência é da Justiça Comum porque o que se discute, em essência, é a correção ou a qualidade do produto ou do serviço adquirido, ou a existência de vício, defeito ou falta de regular entrega conforme ajustado ou anunciado para a aquisição pelo consumidor. Doutro lado, as relações de trabalho encontram-se reguladas na Consolidação das Leis do Trabalho e ainda no vigente Código Civil (- prestação de serviços: artigos 593-609; - empreitada: artigos 610-626; - depósito profissional: artigo 628, parte final; - mandato: artigos 653-691; - comissionamento: artigos 693-709; - agenciamento e distribuição: artigos 710-721; corretagem: artigos 722-729; - transporte: artigos 730-756), sempre que a atividade tenha sido desenvolvida por trabalhador, independentemente da condição de empregado, autônomo, avulso, empreiteiro ou profissional liberal, se age em contraprestação a uma remuneração pelo trabalho desenvolvido, independentemente da qualificação do valor percebido pelo tomador dos serviços desenvolvidos ou deste próprio, baseado na utilização de suas capacidades físicas ou intelectuais para a realização de certo ato exigido ou ajustado. Ou seja, no âmbito da relação de trabalho, a discussão perante a Justiça envolve a defesa do trabalhador, ainda que sem subordinação direta ao tomador dos serviços, de modo a garantir a integridade e dignidade do ser humano na contraprestação do trabalho em troca dos alimentos necessários a sua subsistência e à de sua família.

Quando o objeto da controvérsia, portanto, é o trabalho e não seus resultados em relação ao tomador dos serviços, a competência para a causa é da Justiça do Trabalho, a teor do artigo 114, inciso I, da Constituição Federal. Se o objeto da controvérsia, doutro lado, ainda que decorrente do trabalho, é o serviço prestado pelo profissional, em demanda promovida pelo tomador, na qualidade de consumidor, a competência para a causa é da Justiça Comum, porque a discussão não é o trabalho, mas o resultado questionado pelo consumidor.

A discussão, portanto, é distinta quando envolve o trabalho ou o produto ou serviço consumido. Nesse particular, as discussões, centradas exclusivamente no trabalho ou no consumo, e assim tendo como autores da demanda o trabalhador (profissional autônomo ou o empreiteiro) ou o consumidor, respectivamente, repercutem em causas da competência da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum, nesta ordem.

A questão competencial merece maior reflexão quando a discussão submetida a um ramo judiciário passa a resvalar em tema próprio do outro. A vis attractiva contida no artigo 265, § 5º, parte final, do CPC, pois, resulta também noutro efeito similar quando não houver processos em curso simultaneamente na Justiça do Trabalho e na Justiça Comum a discutir, respectivamente, a relação de trabalho e a relação de consumo derivada do mesmo fato, mas a questão conexa estiver, como antes descrita, submetida ao Juízo como matéria de defesa. Nesse caso, a questão incidental decidida pelo Juízo que não seria competente para a controvérsia nela contida, mas que resta coligada à questão principal contida na lide regularmente submetida perante o Juízo competente, é por este apreciada sem os efeitos de coisa julgada, conforme resulta do artigo 469, inciso III, do CPC, sendo tal conclusão razoável a partir da lógica que decorre do artigo 470 do CPC que traduz a possibilidade de dar-se efeito de coisa julgada à decisão da questão prejudicial. Isto porque, ao admitir os efeitos de coisa julgada apenas se o juiz for competente, em contrapartida à negação anterior contida no artigo 469, III, o artigo 470 do CPC acaba por enunciar a possibilidade de a questão prejudicial ser julgada por Juízo incompetente, se necessária para a resolução da lide. Ou seja: apenas o efeito da coisa julgada será negado à discussão trabalhista apreciada como questão de defesa suscitada em relação de consumo perante o Juízo Comum, ou vice-versa, será negado tal efeito à solução dada quanto à questão incidental de consumo surgida como tema prejudicial da defesa quanto à relação de trabalho submetida à tutela jurisdicional do Juízo do Trabalho.

Nesse aspecto fundamental da ordem constitucional regulada segundo as normas processuais, as competências se firmam sem que quaisquer dos Juízos iniba a competência do outro, ainda que venha a apreciar, como questão prejudicial para a solução da causa de sua competência, tema ou fato que estaria, propriamente, sujeito à jurisdição diversa, pela matéria, eis que de tal pronunciamento necessário não emerge o efeito de coisa julgada próprio das sentenças judiciais, que será restrito à matéria para a qual competente o Juízo prolator da sentença. A exegese, pois, do artigo 265, IV, “a” e “b”, e parágrafo 5º, combinado com os artigos 469, III, e 470, do Código de Processo Civil, permite enunciar a competência da Justiça do Trabalho para apreciar as questões decorrentes do trabalho, ainda quando contrapostas a questões civis, especialmente as de consumo, que lhes sejam submetidas em caráter incidental ou por via de defesa.

b) competência quanto à discussão de exercício do direito de greve (art. 114, inciso II):
A EC 45/2004 descreveu, no âmbito constitucional, o que já se encontrava parcialmente delineado na legislação trabalhista acerca das discussões envolvendo o exercício do direito de greve. Agora, mais que antes, por norma de cunho supremo, fica descrita a competência da Justiça do Trabalho para declarar a abusividade ou não do exercício do direito de greve. No entanto, a inserção do dispositivo, embora simplória, carrega consigo outra discussão, a partir da análise sistemática da Constituição Federal, conforme delineada, sobretudo, pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Com efeito, considerado o direito de greve tanto no setor privado quanto no setor público, e por consideração da amplitude das discussões envolvendo a relação de trabalho entregue à jurisdição da Justiça do Trabalho, emerge que não mais se admite excluir da análise especializada as controvérsias que envolviam greves instauradas no âmbito da Administração Pública.

Contudo, novamente o STF, a partir do que fora antes julgado na ADI 3395/DF, ao analisar injunção alusiva ao direito de greve dos servidores públicos, acabou por enunciar, também, regra competencial, assim entendendo que as greves envolvendo servidores públicos deveriam ser julgadas pelos Tribunais de Justiça, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme o ente público a que vinculados e segundo a amplitude do movimento paredista, parecendo cometer, novamente, o Excelso Pretório o equívoco na redução de texto constitucional, sobretudo porque as competências do STJ e de TRF são expressamente enunciadas pela própria Constituição Federal e não se compreende não estivessem ali previstas, então, as hipóteses enunciadas no julgado, sobretudo ao instante em que feita letra morta ao substrato jurídico emanado do artigo 114, II, da Constituição.

Cabe notar que da regra para os dissídios coletivos, contida nos parágrafos 1º a 3º do artigo 114, apenas o parágrafo 3º tem correlação com o artigo 114, II, da Constituição, enquanto os demais complementam a própria regra contida no caput, ou assim no artigo 114, I, eis que no conceito de “ações oriundas da relação de trabalho” encontram-se tanto os dissídios individuais como os coletivos, mas não necessariamente a discussão envolvendo a greve deve culminar noutros efeitos próprios dos dissídios coletivos em geral. Em verdade, o artigo 114, II, da Constituição enuncia uma verdadeira ação declaratória sobre o estado do movimento paredista, para que se enuncie a legitimidade ou não da greve potencial ou efetiva, não por menos podendo traduzir-se em pedido incidental doutras ações de competência da Justiça do Trabalho, não sendo, pois, necessariamente, pela via do dissídio coletivo. Por sua vez, o parágrafo 3º do artigo 114 apenas complementa a regra para estabelecer uma legitimidade especial ao Ministério Público do Trabalho quando a greve ocorrer em atividade essencial com possibilidade de lesão ao interesse público, enquanto, nas demais hipóteses, os envolvidos diretamente na greve, sejam empregados e empregadores, sejam servidores e Poder Público, poderão provocar a manifestação da Justiça do Trabalho para dizer sobre a regularidade do exercício do direito de greve exercido pelos trabalhadores em geral ou pelos servidores em particular.

Não por menos, nessa compreensão o próprio STF acabou por concluir, inclusive mediante súmula, que as ações possessórias decorrentes de movimento paredista são da competência da Justiça do Trabalho, no particular tendo o TST enunciado serem tais demandas possessórias de competência dos Juízos do Trabalho de primeiro grau.

c) competência para as controvérsias sobre representação sindical ou causas envolvendo sindicatos, sindicatos e patrões ou sindicatos e trabalhadores, nessa qualidade (art. 114, inciso III):

A EC 45/2004 constitucionalizou o contido no artigo 1º da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995. Ampliou-se, agora, a regra legal referida, para também atribuir à Justiça do Trabalho a competência sobre as controvérsias alusivas à representação sindical (que já eram conhecidas em caráter incidental, mas não em ação própria envolvendo os sindicatos interessados), e assim as discussões envolvendo os sindicatos, nessa qualidade, ainda que não esteja a controvérsia originada em norma coletiva de trabalho. Com efeito, a restrição da Lei nº 9.028/1995 não mais se configura ante o preceito constitucional contido no inciso III do artigo 114, cabendo notar, contudo, que as lides envolvendo sindicatos, ou entre estes e trabalhadores ou empregadores, deve ter em consideração a discussão de tema ligado a direito sindical ou à relação entre sindicatos e trabalhadores ou patrões.

A competência, no caso, se estabelece pela natureza das pessoas envolvidas, a exigir a qualidade da pessoa jurídica como sindicato e, doutro lado, quando for o caso, como patrão ou trabalhador, não bastando que a ação envolva o sindicato se a condição que se aperfeiçoa é distinta, assumindo qualificativo diverso algum dos envolvidos na relação jurídico-processual.

Também as discussões alusivas à representação sindical, ainda que não figurando o sindicato como parte, são, doravante, da competência exclusiva da Justiça do Trabalho. Há que se notar que, no particular, a competência se revela pela matéria e não pelas pessoas envolvidas na lide, não por menos a razão da segunda parte do dispositivo, a estabelecer que outros conflitos, fora da discussão representativa, se partes os sujeitos descritos, nessa qualidade (sindicato, patrão, trabalhador), são da competência da Justiça do Trabalho. No contexto da “representação sindical”, ademais, inclui-se não apenas a representação do sindicato em relação a terceiros, como ainda a representação dos dirigentes sindicais, que manifestam aquela, para também compreender-se, portanto, a regularidade da escolha e da atuação da direção e órgãos sindicais. Não por menos, o STJ decidiu por não mais aplicar a Súmula 4/STJ para definir, por unanimidade, ser doravante a Justiça do Trabalho a competente para casos envolvendo o processo eleitoral sindical, por pertinente à representação sindical.

Denota, pois, que o artigo 114, inciso III, da Constituição revela, na primeira parte, nítida competência material (discussão de representação sindical) e, na segunda parte, nítida competência pela pessoa dos litigantes (lides entre sindicatos, ou entre sindicatos e trabalhadores ou patrões, nessa qualidade). Nesse sentido, como antes dito, não importa que a discussão envolva sindicatos de servidores ou empregados públicos, já que a competência resta unificada no âmbito da Justiça do Trabalho. Ou seja, todas as discussões de direito sindical passam a ser unicamente da competência da Justiça do Trabalho, a teor do artigo 114, inciso II, da Constituição vigente conforme a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, quando enuncia que àquela cumpre processar e julgar “as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores”.

d) competência para processar e julgar mandados de segurança, “habeas corpus” e “habeas data”, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à jurisdição da Justiça do Trabalho (art. 114, inciso IV):

A Emenda Constitucional nº 45/2004, ao definir a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar “os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição”, acabou por alterar a disciplina secular do mandado de segurança, do habeas corpus e do habeas data, deslocando o eixo de definição competencial antes pela pessoa da autoridade ou do sujeito ssa qualidade, o artigo 59, parpendendo dos demais trnstitucional, enquanto o texto a sre que, permanecendo se o texto a ser iindicado como coator para o tema discutido no ato questionado, ainda quando envolvido, apenas, tema pertinente à jurisdição própria da Justiça do Trabalho.

A competência da Justiça do Trabalho em sede de mandado de segurança derivava diretamente do contido no artigo 21, inciso VI, da LOMAN – Lei Complementar nº 35/1979. Com isso, a competência era limitada ao exame dos mandados de segurança impetrados contra atos administrativos oriundos dos Tribunais do Trabalho ou contra decisões judiciais prolatadas pela Justiça do Trabalho, desde que inexistente recurso ou via correicional para seu exame. No caso do habeas corpus, a inexistência de lei resolvera-se pela construção jurisprudencial para enquadrar os atos envolvendo prisão civil como de competência da Justiça do Trabalho, não obstante os constantes conflitos de competência que se seguiram com a Justiça Federal por conta do artigo 108, inciso I, alíneas “a” e “d”, da Constituição. Em relação ao habeas data, que apesar do nome guarda inequívoca correlação com o instituto do mandado de segurança, o remédio era adotado na linha descrita pela LC 35/1979, apenas quando a informação postulada estava contida em registro ou banco de dados da própria Justiça do Trabalho, e assim negada, entendia-se possível a regra de processo e julgamento por esta Justiça Especializada.

Essa era, portanto, a situação decorrente da redação precária do original artigo 114 da Constituição Federal.

Com a EC 45/2004, contudo, o campo foi ampliado para definir que, se o ato questionado envolve matéria ordinariamente sujeita à sua jurisdição, ou disso decorre, a competência é da Justiça do Trabalho para o processo e julgamento das descritas garantias constitucionais. Doravante, pois, ainda que como impetrado esteja sujeito diverso de Juiz ou Tribunal do Trabalho e desde que a matéria esteja dentre aquelas elencadas nos demais incisos do artigo 114 da Constituição, ou dela seja decorrente, a competência para processar e julgar o mandado de segurança, o habeas corpus e o habeas data será da Justiça do Trabalho, inclusive do Juiz do Trabalho de primeira instância, juiz natural quando não estabelecida, por paradigma constitucional ou norma legal, a competência funcional peculiar dos Tribunais do Trabalho. Assim, persiste, por força do artigo 21, IV, da LC 35/1979, a competência dos Tribunais do Trabalho para apreciar os mandados de segurança contra seus próprios atos, e assim dos Tribunais Regionais quando a autoridade cominada como coatora seja Juiz do Trabalho, mas estabelece-se agora, também, a competência dos Tribunais para o exame dos atos cuja matéria envolvida esteja descrita no artigo 114 da Constituição, usando como paralelo o deslocamento dos dispositivos contidos nos artigos 102, 105 e 108 da Constituição Federal, remanescendo os demais a cargo da autoridade dos Juízes do Trabalho, como juízo residual especializado. Por isso, se o ato envolver matéria sujeita à jurisdição trabalhista, mas estiver a autoridade impetrada dentre aquelas delineadas pelo artigo 102, I, “d”, da Constituição, a ressalva persiste a atribuir ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar o writ. No entanto, por paralelismo, se for a autoridade impetrada Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ou o Tribunal Superior do Trabalho, a regra de competência se estabelece em favor do próprio TST; se for o ato questionado atribuído a Tribunal Regional do Trabalho ou a Juiz do Trabalho, a competência se estabelece em favor do próprio TRT; e nos demais casos, sempre que discutida matéria própria da Justiça do Trabalho, a competência será do Juiz do Trabalho. No mesmo sentido, se a informação pretendida originar-se da relação de trabalho ou das demais competências da Justiça do Trabalho e restar pretendida pela via do habeas data, que segue a mesma regra de distribuição funcional que o mandado de segurança, conforme delineado pela Constituição Federal.

Por fim, com relação ao habeas corpus, além de suplantar-se a discussão acerca da competência para processar e julgar aqueles impetrados contra ato de Juiz ou Tribunal do Trabalho, quando envolvida prisão de depositário infiel, o dispositivo constitucional abre caminho para o alargamento da competência quando o constrangimento ao direito de locomoção decorrer da relação de trabalho, por prática de ato ilegal ou de abuso de poder, pelos sujeitos de tal relação, em detrimento um do outro, sem prejuízo da repercussão posterior no âmbito criminal, em caso de eventual crime para constranger outrem no direito de locomoção. Há que se notar que o artigo 114, IV, da Constituição, inserido pela EC 45/2004, estabelece uma ressalva especial em relação à competência doutros Juízos e Tribunais em sede de habeas corpus, sempre que envolvida discussão pertinente à própria jurisdição da Justiça do Trabalho ou ato dela decorrente, sem adentrar em campo de exercício de jurisdição criminal. Nesse sentido, pois, a prisão civil ou administrativa decretada por Juiz ou Tribunal do Trabalho passa a ser examinada, em sede de habeas corpus, pelo Tribunal Regional do Trabalho, se a autoridade dita como coatora for Juiz de primeira instância, pelo Tribunal Superior do Trabalho, se for membro de TRT ou se a suposta coação decorrer de ato do próprio TRT (por paralelismo com a regra inserida no artigo 105, I, “c”), e pelo Supremo Tribunal Federal, quando a suposta coação advir de Ministro do TST ou do próprio Tribunal Superior (artigo 102, I, “i”). De todo modo, também há que se considerar a possibilidade de configurar-se o constrangimento que não decorre de ato de Juiz ou Tribunal do Trabalho no exercício de sua jurisdição, resultante da ameaça ou coação ao direito de ir e vir por ilegalidade ou abuso, cometido por trabalhador ou patrão, no âmbito da relação de trabalho. A hipótese de habeas corpus impetrado contra ato de particular, embora se vislumbre antes a hipótese de atuação policial ou administrativa, tem sido admitida pela doutrina e pela jurisprudência quando o sujeito desprovido de autoridade pública esteja a causar restrição ou a perturbar o exercício pleno do direito de locomoção de outrem, tanto mais quando se demonstre pela repetição da prática ou por circunstâncias especiais que a ordem judicial para a liberação do retido ou o salvo-conduto para inibir retenção posterior se mostre como a medida mais rápida e eficiente para que cesse a coação ou a ameaça ao direito de ir e vir. Ou seja, o habeas corpus pode ser requerido contra qualquer sujeito que, autoridade ou não, assuma a posição de coator ao direito de locomoção de outrem, por ato efetivo ou ameaça, inclusive porque, diferentemente do mandado de segurança, o constituinte não perfez qualquer restrição à exigência de ato de autoridade, pelo que circunscrito o objeto à existência de coação ou ameaça ao direito de ir e vir, conforme a doutrina e específico precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido, no campo da jurisdição trabalhista, por exemplo, tem-se o caso de constrangimento no curso de movimento paredista para impedir trabalhadores que não pretendam aderir à greve de adentrar na empresa ou dela se retirarem ao final de expediente, para compelir à adesão ao movimento grevista, caso em que se poderia ter coligado o motivo do abuso ou da ilegalidade à relação de trabalho e ao exercício do direito de greve, descritos na competência da Justiça do Trabalho, a atrair, assim, também a competência para decidir os habeas corpus impetrados em favor de tais sujeitos colocados em situação de violência ou coação em sua liberdade de locomoção, real ou potencial (ameaça). Também, como outro exemplo, a situação vexatória de revistas à saída das empresas, ou de deter-se alguém para que confesse ou deponha sobre determinado fato concernente à relação de trabalho, ou ainda para persistir trabalhando em condição análoga à de escravo. Tudo isso, logicamente, sem desfigurar a ocorrência de crime praticado pelo coator, a ser representado à autoridade competente, para eventual processo e julgamento pela Justiça Comum, federal ou local, conforme decorre do artigo 40 do Código de Processo Penal. Nem sempre, pois, o constrangimento decorre de ato de autoridade, mas também por conta de abuso ou ilegalidade cometida por particular em relação a outrem, inclusive nas relações de trabalho ou noutras de competência, doravante, da Justiça do Trabalho. Nesses casos, há que se notar que o Juiz ou Tribunal do Trabalho poderia emitir comando inibitório ao coator, determinando uma obrigação de não-fazer, no seio de via ordinária, pelo que não se admite o deslocamento da competência para tal comando apenas pelo uso da garantia constitucional do habeas corpus, quando o salvo-conduto ou a ordem de liberação dos pacientes indevidamente retidos efetivada se relacione a ato ou fato jurisdicionado pela Justiça do Trabalho, a teor do artigo 114 da Constituição.

e) processo e julgamento de conflitos de competência envolvendo órgãos da própria Justiça do Trabalho (art. 114, inciso V):

No concernente ao inciso V acrescido ao artigo 114 pela EC 45/2004, pretendeu o constituinte derivado suplantar as discussões acerca da inadequada redação do artigo 105, I, “d”, da Constituição, que parecia entregar ao Superior Tribunal de Justiça a competência para processar e julgar todos os conflitos envolvendo tribunais e juízos a ele não vinculados, ou entre juízos vinculados a tribunais diversos, ressalvada a competência para conflitos própria do Supremo Tribunal Federal. A redação deficiente do referido dispositivo levou, por vezes, conflitos de competência envolvendo juízos ou tribunais do trabalho serem deslocados para o STJ, quando o foro próprio seria o Tribunal Regional do Trabalho ou o Tribunal Superior do Trabalho, desde que envolvidos apenas órgãos com jurisdição trabalhista, inclusive assim os Juízes de Direito quando dela investidos nas comarcas desprovidas de Juízo do Trabalho. Não por menos, o Superior Tribunal de Justiça acabou por editar a Súmula 236/STJ que, não obstante, foi insuficiente a descaracterizar a precariedade do dispositivo constitucional.

Por isso, a norma expressa que doravante e indubitavelmente atribui aos Tribunais do Trabalho (TRTs ou TST, conforme o caso) o processo e julgamento dos conflitos de competência envolvendo os órgãos da Justiça do Trabalho, ou os Juízos de Direito enquanto investidos de jurisdição trabalhista, ressalvando apenas a competência do Supremo Tribunal Federal quando um dos órgãos em conflito for Tribunal Superior. Logicamente, como não se admite conflito entre tribunal superior e tribunal ou juízo inferior, o comando remanescente contido no artigo 102, I, “o”, da Constituição, admite perante o Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento, em caráter originário, do conflito envolvendo Juízo ou Tribunal Regional do Trabalho (e inclusive o Juízo de Direito enquanto investido de jurisdição de trabalhista) e Tribunal Superior que não seja o TST, ou do conflito envolvendo o Tribunal Superior do Trabalho e outro Juízo ou Tribunal que não seja detentor de jurisdição trabalhista já que a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, em questão de competência envolvendo qualquer Tribunal ou Juízo investido de jurisdição trabalhista, não admite conflito com o Tribunal ou Juízo recalcitrante – nesses casos, cabe dizer, os conflitos sequer são conhecidos por inadmissíveis, já que se estabelece, segundo diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal, questão de nítida hierarquia jurisdicional e não de conflito de jurisdição ou de competência. Deste modo, excluído o conflito instaurado pelo Juízo ou Tribunal do Trabalho recalcitrante, resta doravante clara a regra de que cabe aos Tribunais Regionais ou ao Tribunal Superior do Trabalho apreciar os conflitos de competência envolvendo órgãos da Justiça do Trabalho ou investidos de jurisdição trabalhista, ressalvada apenas a competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar os conflitos envolvendo o Tribunal Superior do Trabalho e outro Tribunal Superior ou Juízo ou Tribunal não investido de jurisdição trabalhista.

f) competência as controvérsias envolvendo pedido de indenização por dano moral ou patrimonial decorrente da relação de trabalho (art. 114, inciso VI):

O inciso VI, quando lido em seguida ao inciso I, do artigo 114 da Constituição, conforme decorrem da EC 45/2004, parece conduzir a uma impropriedade eis que os limites dos pedidos específicos concernentes a indenizações por dano moral ou material (patrimonial) decorrentes da relação de trabalho já parecem estar incluídos nas ações que se originam de tais específicas relações. Há uma premissa basilar da interpretação constitucional que conduz a não considerar palavras inúteis na Constituição, sobretudo pelo conjunto sistêmico que decorre do ordenamento normativo supremo que nela se traduz. Por isso, há que se buscar, para delimitar o alcance pretendido pelo constituinte derivado, o conteúdo que decorre da análise sistemática da Constituição, baseado, sobretudo, no princípio da utilidade dos termos aparentemente em repetição ou inúteis. A análise do processo legislativo, inclusive nos bastidores não-oficiais, revela que a preocupação concernente ao dispositivo principal da competência da Justiça do Trabalho, exatamente o inciso I, fruto do desdobramento e ampliação do texto antes contido no próprio caput do artigo 114 da Constituição, levou à inserção, no rol descrito, doutros dispositivos que revelassem, como revelam, o alcance material da nova competência entregue à Justiça Especializada, sobretudo no caso de impasses para a materialização da norma principal, assim emergindo os incisos VI e IX. Com isso, há que se considerar o inciso VI como complemento à norma contida no inciso I do artigo 114 da Constituição, de modo a enunciar aspecto específico que, fosse inserido no dispositivo principal, poderia resultar na perda de logicidade ou no aumento da extensão do texto necessário a conduzir à compreensão do intérprete. De todo modo, nesse particular aspecto complementar, a questão alusiva à competência ampla para apreciar os pedidos de indenização por dano decorrente da relação de trabalho faz atribuir, inequivocamente, à Justiça do Trabalho, conforme já vinha sendo construído pela jurisprudência, as controvérsias alusivas a tais pedidos indenizatórios fundados em acidente de trabalho, já que envolvem inclusive os partícipes da relação laboral, sem confundir com aquel’outra controvérsia com fato pertinente ao seguro pelo acidente e que envolve a autarquia previdenciária, excluída da competência da Justiça Federal por força do artigo 109, I, da Constituição, que enseja, doutro lado, a correção legislativa para também transferir-se à Justiça do Trabalho, conquanto atualmente atribuída à Justiça Local, conforme admite o inciso IX do artigo 114 da Constituição.

Nesse particular, a referência expressa contida na exceção descrita da competência federal comum exige do legislador a opção de transferir à Justiça do Trabalho, inequivocamente, a discussão ampla do acidente de trabalho para também contemplar a situação meramente securitária que, cabe sempre repetir, não se pode confundir com o pedido indenizatório que envolve as partes da relação laboral já que, logicamente, não estariam entregues à jurisdição da Justiça Federal e, pois, não podem ser incluídos na exceção descrita, tanto mais agora a partir do efeito esclarecedor da norma do artigo 114, VI, da Constituição. Por isso, o inciso VI do artigo 114 da Constituição, em verdade, enquanto pretendeu apenas revelar que qualquer indenização, seja de cunho moral ou material, se decorrente da relação de trabalho, está doravante entregue à jurisdição da Justiça do Trabalho, reforça a norma geral contida no inciso I de modo a consagrar a aplicabilidade de qualquer norma jurídica à relação de trabalho, inclusive aquelas para o exame específico da indenização por dano moral ou material, ainda que distintas da norma que regula a relação específica a ser examinada, com isso sinalizando a inequívoca competência deste ramo especializado para todas as questões envolvendo dano material ou material decorrente da relação de trabalho, assim, pois, dentre outras, as que envolvem a perseguição de indenização com base em acidente de trabalho por culpa lato sensu do empregador. Emerge, dessa acepção, que o que se construíra jurisprudencialmente acaba por conseguir o reforço da norma constitucional no sentido de consagrar a ampla competência da Justiça do Trabalho para todas as questões de trabalho, ainda que com amparo em legislação civil ou especial, decorrente da relação de trabalho, quando o pedido detém natureza indenizatória concernente a dano moral ou material sofrido por qualquer das partes envolvidas na relação laboral.

Cabe notar, nesse particular, que não há pedidos comuns ou fatos idênticos de uma mesma relação processual entre a causa envolvendo os partícipes da relação laboral, pertinente à apuração de eventual responsabilidade subjetiva e indenização por dano moral ou patrimonial, e aquel’outra causa envolvendo necessariamente o trabalhador, como securitário, e a autarquia previdenciária, para o fim de apuração da responsabilidade objetiva e concessão do benefício securitário à vítima de acidente de trabalho. Os dois fatos, com a devida vênia, são distintos e devem encontrar foco diverso, ainda que a temática do acidente possa ser similar.

Nesse sentido, reformulando posição jurisprudencial anterior, o STF acabou por decidir, ao apreciar o CC 7204/MG, pela competência absoluta da Justiça do Trabalho para apreciar os casos envolvendo acidente de trabalho, quando envolvidos os partícipes da relação laboral, inclusive tendo sido proferido votos no sentido de compreender pela competência mais ampla, inclusive para os casos envolvendo o seguro acidentário a cargo da autarquia previdenciária, no contexto de que também revela indenização por acidente de trabalho. Tudo isso revela que o artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal, assume nova dimensão para a fixação da competência da Justiça do Trabalho, além dos campos antes restritos do Direito do Trabalho. Como disse alhures, a Justiça do Trabalho tem significado além das normas infraconstitucionais, tem expressão na relação capital-trabalho e nas relações coligadas ou decorrentes das relações de trabalho, independentemente da norma de regência.

g) competência para o exame das penalidades administrativas impostas aos patrões pela fiscalização do Trabalho (art. 114, inciso VII):

O inciso VII do artigo 114 da Constituição, conforme inserido pela EC 45/2004, atribuiu à Justiça do Trabalho competência antes entregue à Justiça Federal.

Com efeito, as penalidades administrativas impostas pela fiscalização do trabalho, por envolver interesse federal, eram entregues ao controle jurisdicional por parte da Justiça Federal, ante a norma descrita no artigo 109, inciso I, da Constituição. No entanto, com a expressa definição constitucional de serem tais penalidades, doravante, sujeitas ao controle jurisdicional da Justiça do Trabalho, revela-se a exceção contida na parte final do artigo 109, I, da Constituição para inibir qualquer medida perante a Justiça Federal, inclusive por via excepcional de ação de garantia constitucional, por força da norma contida no artigo 114, IV, da Constituição, que passou à competência da Justiça do Trabalho os mandados de segurança quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição.

Com isso, independentemente da via processual eleita pelo interessado, a discussão de penalidade administrativa que tenha sido aplicada ao empregador pela fiscalização do trabalho será da competência da Justiça do Trabalho. Há que se notar que não funcionará a Justiça do Trabalho como grau revisor de tais penalidades administrativas porque o interessado deve valer-se de ação para discuti-las perante o Juízo Laboral ou Tribunal do Trabalho, seja por ação ordinária, seja por mandado de segurança contra o ato da autoridade administrativa competente. Desde logo, a teor do artigo 626 e seguintes da CLT, cabe perceber que não necessariamente a fiscalização será aquela operada apenas pelo Ministério do Trabalho, podendo também revelar-se na que se exerce pelo Ministério da Previdência Social quanto à autuação por inobservância da legislação pertinente às relações de trabalho. Nesse contexto há que ser compreendida a locução ampla “fiscalização do Trabalho”.

Assim, se a autuação ocorre por conta de fiscalização que perceba inobservância do empregador às normas de controle dos recolhimentos fiscais, por exemplo, por próprias às relações de trabalho, cumprirá à Justiça do Trabalho avaliar a correção ou não da penalidade aplicada, sem discutir, por conta disso, matéria previdenciária, mas apenas a adequação burocrática dos registros e recolhimentos exigidos pela legislação protetora do trabalho. De igual modo, a fiscalização do trabalho, por compreender não apenas a burocracia dos registros trabalhistas, mas também a observância a regras próprias de conduta no âmbito da higiene, medicina e segurança do trabalho, atrai para a competência da Justiça do Trabalho, também, o exame das penalidades aplicadas em decorrência de conduta inadequada dos empregadores, assim cabendo avaliar, por via oblíqua, os preceitos e normas inerentes à relação de trabalho, ainda que não envolvido trabalhador específico, pelo mero risco à ocorrência de dano à integridade de qualquer trabalhador.

Aliás, assim já estava a enunciar o Supremo Tribunal Federal quando, em 2003, editou a Súmula 736/STF, pacificando o entendimento de que “Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”. Logicamente, além de competência para o exame material e valorativo das penalidades administrativas aplicadas, cumpre doravante à Justiça do Trabalho também o exame de tais penalidades sob o aspecto da adequação formal da autuação procedida pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, de modo a consolidar jurisprudência no sentido dos aspectos formais-burocráticos exigidos para a autuação, como também para definir as exigências decorrentes da legislação de proteção ao trabalhador, quando da análise do conteúdo das penalidades em relação aos fatos noticiados como em desacordo com a legislação reguladora e os limites dos valores das multas passíveis de serem aplicadas.

h) competência para a execução, de ofício, das contribuições sociais decorrentes das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho (art. 114, inciso VIII):

O inciso VIII do artigo 114 da Constituição resulta da transposição do antigo parágrafo 3º do referido artigo, então inserido pela Emenda Constitucional nº 20/1998, de modo a compreender-se no rol enumerativo das competências próprias da Justiça do Trabalho. A remissão expressa ao artigo 195, I, “a”, e II, da Constituição, resulta na limitação competencial à execução das contribuições sociais que resultem do valor que seria agregado à folha de pagamentos dos empregadores, empresas ou a estes equiparados, por conta do crédito reconhecido em sentença proferida pela Justiça do Trabalho, assim devidas por tais sujeitos, como também à execução das contribuições devidas pelos trabalhadores, sejam empregados ou não, sobre os valores que lhes forem reconhecidos como crédito trabalhista efetivo. Conforme já enunciara à época da edição da Lei nº 10.035/2000, que regulamentara então o parágrafo 3º do artigo 114 da Constituição, e doravante regulamentará, como regra recepcionada, o descrito inciso VIII do referido dispositivo constitucional, a competência que se estabelece emerge apenas na fase de execução do crédito trabalhista, quando efetivados os créditos trabalhistas, ou ao curso de tal execução, em caráter subsidiário, não preferindo à execução dos créditos trabalhistas reconhecidos já que se exige, antes disso, a efetiva existência de fato gerador previdenciário consistente na entrega do valor devido ou na existência do crédito suficiente para tanto em favor do trabalhador.

Cabe enunciar, ainda, que a locução “de ofício” contida no dispositivo constitucional, como já antes pronunciara, resulta na inserção dos valores previdenciários apurados como decorrentes do crédito trabalhista em execução, para o recolhimento voluntário ou para as retenções de ofício, sem inibir a atuação da autarquia previdenciária responsável no concernente à definição das bases de cálculo e alíquotas incidentes no cálculo, bem como para a devida indicação do modo de efetivação da execução instaurada de ofício, sempre que a atuação judicial depender de elementos inexistentes nos autos ou para provocar-lhe a correção de rumos, sobretudo porque a decisão que homologar e liberar os valores recolhidos tem efeitos de coisa julgada, a inibir a cobrança de valores suplementares pelo mesmo fato gerador. Por fim, percebe-se que a competência inserida em 1998 mereceu a confirmação do constituinte derivado a partir dos resultados obtidos, que significaram implemento na arrecadação de valores previdenciários e animaram o Senado Federal a aprovar medida similar para a execução das multas por infração à legislação trabalhista e para a execução dos tributos federais sobre os créditos decorrentes das sentenças que a Justiça do Trabalho proferir, conforme consta da Proposta de Emenda Constitucional 358/2005 (PEC paralela da Reforma do Judiciário), em análise pela Câmara dos Deputados.

Não se há que transmutar a índole da Justiça do Trabalho, contudo, por conta do inciso VIII do artigo 114 da Constituição, eis que toda a atividade jurisdicional que lhe é confiada pela Carta Política vigente, sobretudo a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, tem como pressuposto ser a guardiã das relações de trabalho e do equilíbrio entre capital e trabalho, e não ramo tributário ou parafiscal do Poder Judiciário nacional, eis que tal atividade decorre, sempre, em caráter subsidiário e dependente das sentenças que forem proferidas e nos limites dos créditos reconhecidos pela Justiça do Trabalho.

i) outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho (art. 114, inciso IX):

O inciso IX do artigo 114 da Constituição consagra texto suplementar que antes estava contido na parte final do caput do referido dispositivo constitucional.

De novo, emerge a pergunta: não seriam os anteriores dispositivos suficientes a enumerar as hipóteses de competência da Justiça do Trabalho? Entendeu o constituinte ser razoável deixar campo aberto para a normatização de hipótese que pudesse resultar dúbia ou para consagrar como de competência da Justiça do Trabalho quaisquer outras que, por conta de aplicação de interpretação decorrente doutros dispositivos constitucionais, persistem entregues, de modo residual, a outros ramos do Poder Judiciário, à falta de direcionamento explícito à Justiça especializada.

Também há que se notar que, diferentemente do inciso I do artigo 114, o inciso IX fala em “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei” sem necessariamente exigir ação que a discuta, permitindo, assim, o campo para envolver, sobretudo, a chamada jurisdição graciosa ou voluntária, em que não há lide, embora exista controvérsia, segundo disposto no Código de Processo Civil, artigo 1103 e seguintes, apresentando o interessado mero requerimento com pedido dirigido à solução do Juiz, sem formar-se contraditório por falta de litígio, por isso decidindo o julgador com base na lei ou por pressuposto de justiça, e ainda os casos que exigem explicitação normativa das competências distribuídas, como em relação ao mandado de injunção, expressamente referida a Justiça do Trabalho, a teor do artigo 105, I, “h”, da Constituição Federal.

Do exame do inciso IX do artigo 114 da Constituição, pois, é possível concluir pela ampliação da competência da Justiça do Trabalho para as controvérsias não propriamente descritas em litígio, assim como para as questões que a Constituição guardou para a opção do legislador, tendo por objeto a relação de trabalho, ainda que não envolvidos os seus partícipes, mas outros sujeitos aos quais resultam direitos ou obrigações de tais relações trabalhistas, nos diversos campos jurídicos, assim como também permite a compreensão doutros dispositivos constitucionais que revelam competência da Justiça do Trabalho não expressamente enumerada no artigo 114.

j) dissídios coletivos (art. 114, parágrafos 2º e 3º):

A Emenda Constitucional nº 45/2004, ao instante em que manteve o parágrafo 1º do artigo 114 da Constituição, assinalando que “Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros”, alterou a regra do anterior parágrafo 2º, que consagrava o poder normativo dos Tribunais do Trabalho, e deu nova redação ao parágrafo 3º (cuja redação anterior passou a compor o novo inciso VIII). Com isso, estabeleceu que “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente” e que, “Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.”

Inicialmente, cabe notar que os referidos parágrafos 2º e 3º do artigo 114 da Constituição envolvem matéria pertinente ao dissídio coletivo, não necessariamente concernentes ao exame do exercício do direito de greve descrito no inciso II do referido artigo constitucional, pelo que, doravante, a discussão sobre a abusividade de greve pode vir deslocada da discussão de cláusulas jurídicas ou econômico-sociais pertinentes a eventual paralisação ou movimento paredista, para situar-se em campo autônomo, de ação meramente declaratória e não mais apenas como pedido declaratório incidental. No campo, doutro lado, dos dissídios coletivos descritos nos parágrafos 2º e 3º do artigo 114 da Constituição, cabe ser notada uma distinção peculiar entre as ações descritas num e noutro dispositivo.

No primeiro caso (§ 2º), o poder normativo dos Tribunais do Trabalho é admitido em caráter restrito, nos limites apresentados pelas partes, em petição conjunta, respeitadas as condições mínimas de proteção ao trabalho descritas em norma legal ou em normas coletivas anteriores, assim inclusive tendo a Constituição Federal, por via oblíqua, passado a considerar a integração definitiva dos direitos ajustados em acordos e convenções coletivas aos contratos individuais de trabalho, sempre que a própria Constituição não admita a alteração excepcional dos seus ditames (artigo 7º, VI, XIII e XIV). Não há mais, pois, campo para considerar a norma coletiva como de eficácia contida no tempo, dada a regra específica dos efeitos descritos na parte final do parágrafo 2º do artigo 114, nem há, igualmente, possibilidade de o Tribunal do Trabalho extrapolar limites não descritos pelas próprias partes, porque não estará a Corte, como no modelo constitucional anterior, a “estabelecer normas e condições”, mas apenas a retratar a solução do conflito nos limites postos pelas partes, segundo as cláusulas que sugerirem num ou noutro sentido, ou quando menos na adoção de norma de equilíbrio entre as apresentadas pelos suscitantes, sempre cabendo observar, como ponto de partida, os direitos já consagrados em lei ou na norma coletiva antes vigente. Outro aspecto, ainda pertinente ao exame do parágrafo 2º do artigo 114 da Constituição, diz respeito ao alcance da locução “de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica”, já que, obviamente, a propositura conjunta parece, ao primeiro instante, desnaturar o contido no artigo 5º, XXXV, também da Constituição, quando retrata o direito de ação. Não por menos, já há notícia de ação direta de inconstitucionalidade da referida locução em contraposição ao artigo 5º, XXXV, da Constituição, sob o fundamento de ofensa ao direito de ação porque seria ilógico um sujeito depender do outro para buscar a solução do conflito perante o Poder Judiciário.

No entanto, cabe notar que ao instituir nova regra para o dissídio coletivo econômico, em que a Justiça do Trabalho atua em substituição à vontade das partes, pretendeu o constituinte derivado enunciar a importância da negociação coletiva e da arbitragem, ao instante em que atribuiu inequívoca atuação arbitral (ainda que anomalamente estatal) pelos Tribunais do Trabalho, sempre que provocados pelas partes interessadas, que entregam à jurisdição estatal a decisão sobre o conflito instaurado, nos termos que apresentam, para decisão, inclusive sob juízo de eqüidade. A arbitragem privada guarda dupla natureza jurídica, sendo contratual até a instauração da cláusula compromissória e depois, instaurada propriamente, quase-jurisdicional. Em relação à arbitragem pública descrita, autoriza-se ao Tribunal do Trabalho que já detém jurisdição ultrapassar os limites fixados pela Constituição e pelas leis para atuar segundo os limites apresentados pelas partes, analisando as cláusulas que sugiram e assim decidindo, inclusive, por critérios de Direito e de Justiça, segundo os reflexos econômico-sociais que entendam incidentes no caso. Não há dúvidas de que se as partes envolvem-se em animosidade suficiente a impedir a concretude das negociações coletivas e da arbitragem propriamente dita poderia isso também impedir o comum acordo para a propositura do dissídio coletivo. Mas, ao instante em que o constituinte derivado pretendeu exatamente evitar a atuação da Justiça do Trabalho no campo sócio-econômico, senão por vontade das partes, há que se notar que deixou às partes a decisão sobre a confiabilidade da decisão acerca do conflito aos Tribunais do Trabalho, que funcionam assim como órgãos de arbitragem, embora providos de toda a força inerente à atuação como órgão de Poder do Estado. Não há, pois, a inconstitucionalidade que se pretende propagar, enquanto refeita a leitura para denotar um segundo campo de discussão dos dissídios coletivos, em que os Tribunais do Trabalho se vestem de uma capa própria, jungidos pela confiança das partes nos critérios de justiça sócio-econômica que possa assim estabelecer. Ou seja, o artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição, não atingiu o direito de ação por parte dos sindicatos ou empresas envolvidos no conflito coletivo à ocasião da data-base, mas definiu que o poder normativo da Justiça do Trabalho, doravante, apenas se exerce em situação similar à do juízo arbitral, que depende da vontade das partes envolvidas para ser instaurado, sem impedir que outras discussões, como eventual abusividade do movimento paredista, possam ser, doutro modo, apresentadas para decisão do Tribunal do Trabalho competente. Há que se perceber, ainda, que o conflito sócio-econômico traduz mais um dissenso de interesses quanto à construção da norma coletiva e não a resistência a alguma pretensão deduzida, fundada em fonte de Direito: no dissídio coletivo de natureza econômica há a própria construção da norma e não a mera eleição da norma ou fonte jurídica aplicável ao conflito. A diferença, pois, sinaliza restar incólume o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição, eis que o artigo 114, parágrafo 2º, dirige-se a normatizar situação anômala, pertinente aos conflitos de interesse no âmbito coletivo do trabalho. Nesse sentido, a resistência das categorias econômicas resulta, quando menos, na prorrogação dos efeitos da lei e da norma coletiva anterior, já que o Tribunal do Trabalho apenas poderá rever eventual cláusula a partir do conjunto estabelecido, num indicativo do constituinte de que a melhoria das condições sociais do trabalhador deve ser o pressuposto lógico da atuação da Justiça do Trabalho em sede de dissídio coletivo de natureza econômica. Noto que não há facultatividade para a propositura em comum acordo pelas partes em litígio, a admitir-se a propositura em caráter singular sem ao menos a adesão posterior da parte contrária, logo que citada, eis que a locução “é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo” diz respeito à própria instauração do dissídio coletivo de natureza econômica e não ao trecho secundário de que a facultatividade residiria apenas no ajuizamento por ambas as partes. A propositura em comum acordo, portanto, pode traduzir-se por ação desde logo subscrita por ambos os sindicatos ou decorrer da adesão ou não-resistência do suscitado ao dissídio coletivo instaurado em caráter singular pelo outro envolvido no litígio, mas jamais pela deflagração decorrente apenas da vontade de um dos envolvidos no litígio sócio-econômico. Aliás, a anterior redação do artigo 114, § 2º, da Constituição Federal já enunciava ser “facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo”, demonstrando o exercício do direito de ação como facultativo, contexto que perdura após a exigência constitucional do dissídio ajuizado por comum acordo.

Com relação ao segundo caso de dissídios coletivos (§ 3º), não quis o constituinte, doutro lado, deixar que interesses privados ou restritos às categorias envolvidas pudessem confrontar-se com a preponderância de interesses gerais e públicos, como na ocorrência de greve em atividade considerada essencial. Nessa hipótese, o Ministério Público do Trabalho, como representante da sociedade atingida, passa a ser a única parte legitimada, cabendo ao Tribunal do Trabalho competente decidir a questão, resolvendo sobre a eventual abusividade e necessidade de retorno ao trabalho, sem poder estabelecer, doutro lado, normas pelo exercício de poder normativo, para tal hipótese não admitida doravante pela Constituição Federal, exceto se as partes suscitadas, ao responderem, apresentarem as cláusulas que sejam o objeto da controvérsia que resultara na paralisação em atividade essencial. Isso porque, se as partes, eventualmente, silenciarem, não haveria cláusulas em discussão e nem por isso poderia o Tribunal estabelecer aquelas que considerasse razoáveis para transpor a paralisação, senão o decreto da declaração de abusividade ou de não-abusividade, com os efeitos decorrentes, entregando às partes em conflito a decisão sobre paralisar ou não o movimento, ante as penalidades aplicáveis em caso de desobediência à ordem judicial. No entanto, nessa atuação excepcional de salva-guarda da sociedade, o Ministério Público do Trabalho não pode envolver-se sobre a conveniência do movimento paredista ou de sua resistência, mas apenas pode situar a discussão nos limites do interesse público geral para o restabelecimento de atividade essencial à sociedade. Ou seja: o parágrafo 3º do artigo 114 da Constituição constitui, na forma da Lei Complementar nº 95/1998, exemplificativo do artigo 114, inciso II, enquanto o parágrafo 2º do artigo 114 traduz exceção e limitador ao disposto no artigo 114, inciso I. Mas a seqüência dos parágrafos do artigo 114 da Constituição e a denominação comum de “dissídio coletivo” traduz que a intervenção do Ministério Público do Trabalho em dissídio por greve, à conta do artigo 114, § 3º, não impede que as partes suscitadas apresentem as cláusulas para decisão pelo Tribunal competente nos limites do artigo 114, § 2º, nem, igualmente, a instauração do dissídio coletivo na forma do artigo 114, § 2º, pelas partes envolvidas, não impede que o Ministério Público, na salvaguarda do interesse público, intervenha perante o Tribunal para pedir a conversão em dissídio de greve e a decisão que impeça a lesão ao interesse público por conta do movimento paredista em atividade essencial.

Não há dúvidas de que os parágrafos 2º e 3º do artigo 114 da Constituição resultaram em significativa diminuição das hipóteses de cabimento dos dissídios coletivos, sejam propostos pelas próprias partes em conflito (assim ensejando a instituição de verdadeiro juízo arbitral público por órgão jurisdicional trabalhista: o TRT ou o TST, conforme o caso), sejam propostos pelo Ministério Público do Trabalho, no caso de greve em atividade essencial e possibilidade inequívoca de lesão ao interesse público, com redução do campo de atuação do poder normativo dos Tribunais do Trabalho, ao instante em que, com isso, restabelece a EC 45/2004 a premissa básica da negociação coletiva ou da arbitragem privada para os ajustes entre as categorias e o respeito, no exercício do direito de greve, aos interesses gerais da coletividade, de modo a inibir o abuso sem prejudicar o movimento paredista legítimo e consagrado pelos trabalhadores como expressão de luta por melhoria nas condições de trabalho. De todo modo, há que se notar que as restrições descritas não impedem o ajuizamento dos dissídios coletivos de natureza jurídica, ainda que sem contar com a propositura consensual dos interessados, já que a vedação descrita pelo parágrafo 2º do artigo 114 da Constituição circunscreve-se aos efeitos econômicos da instauração conjunta, mas não impede que desdobramentos interpretativos sejam objeto de discussão noutros dissídios, assim como, também, os efeitos resultantes da instauração por proposta do Ministério Público do Trabalho, descrita no artigo 114, parágrafo 3º, não pode sinalizar a derrocada do dissídio coletivo de natureza jurídica, também nestas hipóteses, inclusive a teor do antes comentado inciso II do artigo 114 da Constituição Federal.

l) conclusão:

A Emenda Constitucional nº 45/2004 alterou todas as perspectivas dadas à Justiça do Trabalho quando do início da Reforma do Judiciário, em 1992: de ramo quase extinto ou fundido com outros àquele com maior gama de competências recebidas, ampliado o rol para restabelecer o conceito de responsável pela jurisdição das relações de trabalho e de todos os conflitos e controvérsias decorrentes, e não mais apenas os conflitos relativos aos vínculos de emprego ou de pequenas empreitadas, alcançando agora, inclusive, competências especiais no campo parafiscal e da fiscalização do trabalho, com controle específico da atuação administrativa junto a empregadores no campo da higiene, segurança e medicina do trabalho. É certo que perdem os Tribunais do Trabalho parte significativa do poder normativo que lhes era confiado, mas estabelece-se premissa de maior significância aos pronunciamentos da Justiça do Trabalho quando percebida a ampla competência em direito sindical e nos casos envolvendo o exercício do direito de greve, ou suas conseqüências em relação aos interesses gerais e maiores da sociedade, numa atuação que deve pautar-se, ainda mais, pelo equilíbrio em restabelecer as atividades essenciais à normalidade enquanto conduzam as categorias em litígio à aceitação das decisões normativas nos casos em que ainda admitidas.

O artigo 114 da Constituição, a partir da EC 45/2004, revela-nos a alteração doutros conceitos seculares, alguns de Direito do Trabalho, outros da processualística, como ao dispor sobre as ações de garantia constitucional, e denota a importância que emerge de seus dispositivos não apenas para o âmbito restrito da jurisdição trabalhista, alcançando também outros ramos do Poder Judiciário nacional. A confiança do constituinte derivado na Justiça do Trabalho é significativa e não pode ser frustrada, como símbolo da vontade do Povo brasileiro, que espera, sobretudo deste ramo judiciário especializado, a resposta a suas aflições e anseios de justiça num Estado verdadeiramente de Direito.

A Reforma do Judiciário, com efeito, não resta concluída pela promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, nem ainda estará com a conclusão do exame da PEC paralela pelo Congresso Nacional (Proposta de Emenda Constitucional nº 358/2005, em tramitação na Câmara dos Deputados), dependendo, em muitas situações, de regramentos novos no âmbito processual material. Mas, para além disso, a Reforma do Judiciário apenas conseguirá os efeitos almejados por todos quando os próprios magistrados perceberem que tudo agora é apenas o início de novos rumos, sem ter medo de trilhar o caminho novo.

Para a Justiça do Trabalho, principalmente, são muitas as novas trilhas a serem exploradas.

Brasília, janeiro de 2013.